segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Na Hora da Verdade

A derrota do PSD do passado dia 27 de Setembro impõe algumas reflexões que gostaria de partilhar com todos os que acreditam que é possível mudar Portugal num quadro democrático, personalista e liberal, sem perder a noção dos equilíbrios sociais, ou seja, sem esquecer as assimetrias económicas bem como a imposição de elevar o nível económico, social e educacional de um povo que perdeu trinta anos e que mantém um atraso significativo, mesmo para alguns dos novos países da União Europeia. É um facto que a actual direcção do PSD foi eleita, democraticamente, mas esse facto não pode ser inibidor, nem castrador, de críticas, desde que visem uma reformulação do PSD e repensem qual o posicionamento dos sociais-democratas no futuro. Não concordo com Vasco Pulido Valente quando afirmou que “ a direita responsável do PSD está sem partido e precisa de um”, porque esta questão levanta, em si, duas outras questões: uma que só poderá ser corolário do amplo debate que a realizar sobre o papel do PSD e da direita em Portugal e outra, profundamente redutora, que ficciona o mundo a preto e branco, ou seja, apenas admite a dicotomia esquerda/direita, errando o alvo, a não ser que Vasco Pulido Valente queira meter no saco da direita todos os que não se identificam com o PCP e com o Bloco de Esquerda. Também nunca partilhei da clarividência de José Pacheco Pereira que dava como certa a vitória, com maioria absoluta, de José Sócrates. A verdade, é que face aos resultados eleitorais admito como possível que José Sócrates vá governar sozinho e que obrigue os partidos à direita e à esquerda a viabilizar tudo o que não possam recusar sob a condição de perderem eleitorado. Não estou a ver o Bloco de Esquerda e o PCP a inviabilizarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, só porque a proposta é do PS. É claro que existe sempre a possibilidade de o Bloco, o CDS e o PCP, por antecipação, condicionarem o governo e a maioria socialista, apresentando propostas de lei que obriguem o PS a votar contra, por não serem apresentadas por eles, ou a viabilizar e perder essas bandeiras. A questão que se colocava antes das eleições era a de saber como impedir que o PS ganhasse as eleições? A outra questão era a de saber se o PSD era a alternativa? Ou se teria razão António Barreto quando afirma que “o PSD chegou ao fim”, que se encontrava “esgotado”. A verdade, nua e crua, é que o sistema político-partidário nascido com o 25 de Abril está esgotado. Trinta anos de democracia, construída a partir de um golpe militar, com a criação de partidos sem uma base ideológica forte, mas em função da necessidade de responder à existência de dois partidos de esquerda já constituídos, o PCP e o PS, levou, inevitavelmente, a esta situação. É um facto que o PSD tem um ADN próprio, uma idiossincrasia específica, fruto do pensamento liberal, democrático e personalista que vinha da Ala Liberal do regime, mas que não possuía, na sua constituição, um “corpus ideológico” estruturado. Basta ler o primeiro programa do partido para se perceber que o ADN está lá, mas que se foi perdendo ao longo dos anos de exercício do poder, fruto de uma “praxis” de “real politik” que se preocupou mais com a ocupação do poder do que com a criação de um corpo forte de quadros e militantes, com princípios, objectivos e noção de Estado. Chegados aqui, para onde vai o PSD? Esta é a encruzilhada com que, mais dia menos dia, os seus militantes terão de se confrontar. Quais os objectivos que podem mover os militantes de um partido que, neste momento e face à linha de rumo traçada, discordam da actuação da direcção do PSD? Apesar de um resultado negativo nas autárquicas, uma vez que o PSD perdeu vinte e tal Câmaras, entre as quais uma – a de Leiria – que foi uma aposta pessoal de Manuela Ferreira Leite, os neo-cavaquistas estão entrincheirados no poder, estilo “Aldeia Gaulesa”, sem a inteligência e graça do Astérix e sem a força e a garra de Obélix. Começa a ser doloroso ouvir as reacções dos dirigentes do PSD, num auto-elogio invocando a vitória nas eleições e jogando no controlo dos danos para condicionar a sucessão, de forma a tentar manter um poder cada vez mais afastado da base social que fez do PSD o maior partido português. Apesar de tudo, esta convulsão, que pode ser intensa, dá a possibilidade de refundação do PSD. Agora uma coisa é certa, o PSD, se quer ser uma alternativa de governo e continuar como um partido aglutinador das múltiplas camadas sociais, tem de mudar de caminho. Tem e deve deixar de se preocupar com os barões falidos de uma monarquia inexistente e redescobrir uma ligação de empatia com os portugueses. Ou isso, ou o CDS continua a subir e o PS alcança o velho sonho de Soares de representar todo o centro-esquerda português ou o espaço social-democrata.
in Opinião dia 16/10/2009, Semanário Grande Porto on line.pt