segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A carta que nunca escreveria

Cara Companheira,
O nosso ADN, que nos marca, indelevelmente, como um ferrete, e as nossas opções, ao longo da vida, vão determinando um afunilar do nosso caminho até ao momento da nossa morte, síntese final da vida na terra. (...)
Bajulada por muitos, detestada por outros, o certo é que colhe a unanimidade como o denominador comum que contribuiu para que o PSD chegasse sem crédito e sem honra ao ponto a que chegou. E isto, não tem a ver com ética, nem com outras coisas, porque, contrariamente ao que diz Paulo Rangel, eu prefiro Sá Carneiro, Marques Mendes e Pacheco Pereira, que defendem que a ética não tem a ver com a justiça, mas com os princípios e com a política.
É por isso urgente alertá-la, com esta carta, que noutras circunstâncias nunca lhe escreveria, porque, ainda antes de ir embora pode, num acto de coragem política, acabar com a vilanagem que a rodeia de forma insidiosa e a que urge pôr cobro, antes que o partido acabe.
É que o Partido e o País não aguentam mais o mal-estar que se vive no PSD, um clima de terror e de asfixia democrática, que nem os tristes casos que minam a credibilidade do primeiro-ministro e das instituições, consegue disfarçar.
É o desnorte do País, com um governo que nos desgoverna, (...), é a ineficácia da oposição tolhida por gente menos preparada, ou de má índole, que sempre rodeia, subrepticiamente, os líderes da oposição. É o descalabro da situação económica e social do País que resultou inevitável com tal Governo e Oposição, de mãos dadas com um PR que se arrisca a não ser reeleito. (...)
É por isso que hoje, não podendo mais ocultar a minha indignação de cidadão e de militante do PSD, escrevo esta carta que nunca escreveria em outras circunstâncias.
Não consigo continuar a ouvir, nos transportes ou nas compras do dia-a-dia, o nosso Povo a dizer cobras e lagartos do Governo, mas que não há nada a fazer porque não há oposição. (...)
É a própria democracia, o regime, que está em causa. Se está mal e sem remédio, e está, refunde-mo-lo. Mas, para isso, temos de começar na nossa própria casa. E a nossa casa, o PSD, bem precisa de limpeza e arrumo.
De uma autêntica varridela. E, não é com o recurso a uma candeia, para encontrar um candidato à Distrital de Lisboa (deputado por Faro), cuja única missão é impedir que quem defende a mudança ganhe, que se alcança esse objectivo.
Temos princípios humanistas e história de serviço público, temos milhares de excelentes quadros, mas temos, também, uma chusma de gente no exercício de cargos públicos, que foram da sua escolha pessoal, que nós não merecemos, que o País não aguenta.
Escolhido o caminho que queremos para resgatar o País e o tornar mais justo, livre e equitativo, com uma democracia saudável temos de ter protagonistas dignos na Assembleia da República. Mas quem tem hoje mais visibilidade no nosso grupo parlamentar? Os melhores? Os mais preparados? Infelizmente não!
Temos um Grupo Parlamentar (GP) com alguns valores, mas uma direcção digna de opereta, com um ou duas excepções (entre elas o Presidente do GP).
Cara companheira Manuela Ferreira Leite, O GP está hoje disfuncional, desorientado, temeroso, asfixiado e revoltado.
E porquê? Porque a direcção do GP tem comportamentos típicos dos pequenos poderes: mesquinhos, persecutórios e arrogantes a que acrescem uma manifesta incapacidade política, de direcção ou de responsabilidade. Recorrendo à contratação de uma agência de comunicação, que antes anatematizaram e condenaram publicamente, com o objectivo de os “safar” da sua própria incompetência.
Foram ao ponto de insultar o GP ao ditar normas de comportamento aos deputados, que têm a mesma legitimidade democrática dos próprios tiranetes.
É o cúmulo da estultícia. (...)
Voltando ao início desta carta veja, Cara Companheira, quem dirige a nossa Bancada. E, ao olhar para alguns deles, compreende-se que tenham aplaudido Paulo Rangel quando ele separou a ética da política.
Não estamos a falar da corrupção venal, mas da outra, da corrupção moral, que destrói e corrói a democracia e os seus fundamentos.
Mais não digo porque dói a alma ver esta gente alcandorada no melhor palco de que o Partido dispõe para expôr as suas ideias.
É que, como dizem aqueles a quem fomos buscar inspiração na fraternidade e na justiça, “ça pue”.
(Publicado no semanário Grande Porto, na edição do dia 11 de Dezembro de 2009)