segunda-feira, 13 de junho de 2011

Cavaco Silva, a falta de memória, a agricultura e a hipocrisia de Paulo Portas

Os governos de Cavaco Silva, a troco dos Fundos Comunitários para a construção de auto-estradas e de outros empreendimentos megalómanos, destruíram a agricultura – pagando aos agricultores para não produzirem -, acabaram com a frota pesqueira, com incentivos ao abate, sem contrapartidas de modernização dessa frota e desactivaram grande parte da ferrovia, quer a de transporte de pessoas, quer a de bens, tendo gasto milhões de euros na reconversão da linha do Norte, que nunca foi acabada e que não serve para nada, ou seja, os comboios alfa, que poderiam ser um meio de transporte ferroviário rápido, não podem fazer o trajecto na velocidade máxima por erro de concepção da linha do Norte.
Tudo isto ocorreu durante os dez anos de governo de Cavaco Silva, com duas maiorias absolutas.
Além da delapidação deste património, Cavaco Silva não fez as reformas estruturais que o País precisava, porque o ex-primeiro-ministro vivia de acordo com os ciclos eleitorais e não queria ou tinha medo de enfrentar os “interesses estabelecidos”, aumentou, exponencialmente, a massa salarial do Estado, não racionalizou serviços, manteve os governadores civis, onde colocou os "boys" do PSD, criou as condições para a fome no Vale do Ave, e nunca apresentou um projecto ou uma ideia para Portugal, que fosse mobilizadora e geradora de riqueza.
Como já escrevi, Cavaco Silva não merecia ser Presidente da República, mas conseguiu vencer as eleições e, como tal, tem legitimidade democrática que não pode, nem deve, ser questionada.
Tudo isto vem a propósito do infeliz discurso do último 10 Junho – e digo infeliz, porque não quero repetir o epíteto com que Pedro Marques Lopes qualificou o discurso – que foi uma das peças mais lamentáveis produzidas pela Presidência da República.
Cavaco Silva apelou ao regresso à agricultura, como se ele não fosse um dos principais responsáveis pela desertificação dos campos e pela destruição do sector primário português em benefício dos interesses dos agricultores alemães e franceses.
Mas voltar à agricultura de que modo? Como agricultura de subsistência? Ou com um forte tecido empresarial, com nichos de mercado – agricultura biológica, produção de produtos de qualidade -, que aumente as exportações e nos torne menos dependente do exterior, apesar de ter as maiores dúvidas que Portugal seja auto-suficiente na produção agrícola.
Quanto a isto, o silêncio do Presidente Cavaco Silva imperou, porque, na verdade, ele não possui uma ideia sobre o assunto, nem tem um projecto para propor aos agricultores jovens ou menos jovens.
Regresso ao campo, em força e rápido, a fazer lembrar a velha frase de Salazar quando mandou avançar os soldados para África, no início da guerra da independência.
Estranhamente, o discurso de Cavaco Silva foi aplaudido por Paulo Portas, que é um conhecido “defensor” dos agricultores. Mas ele não se lembra do que o ex-primeiro-ministro, e actual Presidente da República, fez aos agricultores? E será que Portas tem a mesma visão, ou melhor, a falta de visão estratégica para o sector primário? Possivelmente enche a boca de palavras “bonitas”, mas não faz a menor ideia do que quer para a agricultura. Porque se soubesse seria crítico para com a intervenção do Presidente da República. Ou então, Paulo Portas fez um enorme exercício de hipocrisia, num tempo em que se discute a mercearia da distribuição dos lugares no governo.