segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Segredo de Justiça

O segredo de justiça tem, mais uma vez, dominado as atenções dos media e da classe política, na sequência do processo Face Oculta, como poderia ter acontecido ao longo dos últimos vinte anos.
A verdade é que a violação do segredo de justiça, a publicação de peças processuais em segredo de justiça, a notificação de arguidos através de “semanários” e outras coisas, tem sido uma prática recorrente, sem que alguma vez se tenham descoberto responsáveis ou se tenha levado alguém a julgamento.
Tal como nos casos de corrupção, em que das centenas de inquéritos abertos, apenas meia dúzia chegam/chegaram a julgamento, os casos de violação do segredo de justiça são filhos de “pais incógnitos”, para usar uma terminologia que era do agrado do antigo regime.
E, apesar de se suspeitar da origem e, fundamentalmente, das motivações – e desde já esclareço que não sou defensor das “teses das cabalas” – todos continuamos a fingir que não sabemos nada, nem calculamos o que está por detrás das fugas de informação.
Sejamos claros, as fugas têm dois objectivos: condicionar a investigação ou destruir os suspeitos, sempre que a investigação sente que não consegue alcançar os seus fins.
Delimitados os objectivos das fugas de informação, não deveria ser difícil encontrar os responsáveis pela prática dos actos que se encontram tipificados e são punidos criminalmente.
Mas tal não acontece porque o que está em questão é o poder. O poder indirecto, não sindicado pelo voto popular.
Os políticos, de uma forma ou outra, mesmo com erros de julgamento por parte dos eleitores, que votam em candidatos condenados, são punidos, com a perda das eleições e com o afastamento dos cargos.
Outros, que exercem um poder, real, estão acima da sindicância do voto popular e exercem esse poder como um dom divino, com se fossem ungidos, num festim imaculado.
O grave problema que afecta esta questão e que constitui a pedra de toque impeditiva de uma alteração estrutural que recoloque as coisas no seu devido lugar, mantendo a independência e a autonomia da investigação criminal, mas sem desvios de ordem político-ideológica, reside na incompetência da classe política e no facto de, ao longo dos anos, alguém ter um arquivo de “casos”, a utilizar sempre que se pense em efectuar mudanças na estrutura da investigação.
Daqui, e só daqui, decorre a indispensabilidade da mudança dos actores políticos, que não tem a ver com uma mudança geracional, mas com a capacidade e a força política indispensável à mudança do paradigma da nossa democracia.
O perigo de tentações caudilhistas ou musculadas é enorme e a demagogia, normalmente, aproveita-se destes momentos de fraqueza para tomar de assalto a democracia e liquidar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
(In. Semanário Grande Porto, Edição do dia 20/11/2009)