quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A Crise da Sociedade ou a Crise da Justiça

Este é um tema recorrente e que foi enfatizado por muitos dos analistas sociais, que defendem que é a sociedade que está em crise e não a justiça.
A verdade é que a justiça funciona bem se a sociedade estiver a funcionar sem grandes sobressaltos e funciona mal se a sociedade estiver em convulsão.
O aumento exponencial da litigância, a crise económica e social, o aumento das pequenas dívidas, o crime de menores dimensões, mas com maior impacto social, tudo “mixado” dão-nos a ideia de uma ruptura total do sistema judicial e da incapacidade de resposta por parte dos magistrados judiciais e dos agentes do ministério público.
Por outro lado, como Rui Rangel, salvo erro, salientou há tempos, nunca a justiça foi tão escrutinada como agora, neste novo tempo mediático, em que um dos primeiros a ter a perfeita consciência das consequências deste fenómeno foi o ex-Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues.
Mas a realidade é que estamos perante um momento crítico que pode condicionar a estrutura da sociedade e a viabilidade da democracia.
A tradicional concepção da separação de poderes, que tem sido uma das pedras de toque da democracia, está em perigo, quer por força das opções securitárias, quer por interferência, em sistema de vasos comunicantes, do poder político no poder judicial e do poder judicial no poder político.
A judicialização do poder político, uma tentação perversa que se iniciou em Itália, na fase mais aguda do combate à corrupção e ao crime organizado e se alastrou, subtilmente, a Espanha – em que o caso mais mediático é o de Baltazar Garzon -, tem pairado entre nós, por muito que os interessados neguem à exaustão.
Do desempenho, por magistrados judiciais e agentes do ministério público, de funções eminentemente políticas, à passagem, de alguns, para a política activa e para a militância partidária, ainda que em situação de licença por tempo indeterminado, temos assistido à sedução que a política representa para esses magistrados. O que é legítimo.
Mas a questão principal não passa por aqui, porque quem faz uma opção expõe-se publicamente.
O mais complicado tem a ver com a forma, perspicaz, como o poder judicial, face à fraqueza e à incompetência do poder político, se afirma como o único poder que está imune a escândalos e que se constitui como o garante do Estado e da democracia.
O poder político português tem demonstrado, ao longo de três décadas, que vive obcecado e atemorizado pelo poder judicial e pelo poder do ministério público.
Isto quer dizer alguma coisa, ainda para mais quando a Constituição da República Portuguesa é clara ao definir os Tribunais como órgão do soberania e a magistratura do ministério público como uma estrutura hierarquizada, dirigida pelo Procurador-Geral que é nomeado pelo Presidente da República mediante proposta do Governo, à qual compete “representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como … participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”
As regras estão lá, o poder judicial tem uma legitimidade indirecta, uma vez que não está sujeito a sufrágio universal e directo, e o ministério público deve reger-se por regras próprias.
Tudo simples e claro, seria suficiente que o poder político fosse competente e não sofresse de um medo atávico.